sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Contrastes

E fui, fui para a favela, aqueles caminhos de terra e os barracos mal-cheirosos. À entrada, a Dona Jozilda vende frutas e milho. Crianças correm atrás de uma pedra e jogam uma espécie de futebol com ela. O senhor Fábio convida-nos a entrar na sua humilde casa. Cheira a podre lá dentro. Tem dois compartimentos: a sala de estar, composta por um sofá, uma banca, uma TV e uma mesa onde a TV está apoiada, e o quarto, onde está uma mini-cama e um balcão. Tem ainda os arrumos, com paus e metais, à porta de casa. O senhor Fábio mora ali com a mulher, a cunhada e os dois filhos pequenos. Cães com sarna passeiam-se pelo Morro Alto (acabei por não ir à Rocinha, fui antes para o Morro Alto). Um grupo já se junta à nossa volta para responder às perguntas do jornalista. Quem por ali passa olha de soslaio para as duas personagens intrusas no seu espaço. Alguns param e ficam ali a olhar. O objectivo é continuar a penetrar a favela, mas o jornalista ainda inexperiente, para minha surpresa, decide pôr-se ali a falar ao telemóvel de forma nervosa. Uma alma penada decide avisar-nos que não deveriamos estar ali e que é melhor não seguirmos mais em frente, que as coisas vão pior. Dezenas de pares de olhos estão fixos em nós. Na verdade, o trabalho está feito. É melhor mesmo voltarmos para trás e chamar o carro rapidamentte. "Tem 20 segundos para estar aqui", diz o jornalista, mais nervoso ainda do que eu.
Dia seguinte...
Acordo de madrugada. Uma longa viagem espera-me até Ilhabela, uma ilha chique, cara e elitista. Durmo durante quase toda a viagem. São 10 horas quando acordo e começo a mirar uma paisagem esplêndida. Lá do alto da montanha, pelo caminho sinuoso, o céu limpo realça um mar azul claro e a área verde protegida. A travessia só pode ser feita de helicóptero, de iate ou no ferry boat que nós apanhamos. Levo o repelente para afastar os insectos. Mas não vejo muitos e eles não me atacam. Carros de grandes marcas, gente da classe alta e poucos moradores humildes preenchem alguns pontos da cidade, ainda com pouca mão-humana, repleta de árcores, com pequenas praias, com palmeiras e coqueiros e aquele mar tão azul. Está calor e sinto aquele dia como uma inspiração de tranquilidade e paz. Somos quatro pessoas e raras são as frases que se soltam. O centrinho é como uma pequena vila. E aquela paisagem hipnotiza-nos a todos.
Este tema também já é recorrente. A miséria e as classes sociais altas. O choque é profundo, garanto-vos. Há uma fatia da população de São Paulo que se movimenta apenas de helicóptero. É como uma gradação. No chão, bem no chão, os mendigos deitados. À medida que vamos erguendo a cabeça chegamos às pessoas de classe média. Se olharmos o céu, aí sim, estão os grandes ricos, naqueles transportes movidos a hélice que frequentemente atravessam os céus e me acordam de noite. Sempre longe, lá bem longe, como se de um trono se tratasse e nós, fiéis submissos, aqui em baixo, fizessemos vénias. Depois há estas ilhas, estes lugares reconfortantes, a que só eles têm acesso. Várias vezes, ao andar de carro nos arredores de São Paulo, vemos imensas favelas e, ao lado, enormes mansões. O problema não está nas favelas. O problema está nas mentalidades. Os grandes ricos vêm as coitadas das pessoas das favelas como uma praga. Dizem coisas como "tirem essa gente daí, já nem se pode estar em paz!". Em vez de comprarem um helicóptero para cada membro da família, por que não comprarem uma casinha humilde a uma família da favela? Não sei quem será pior.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Os brasileiros são trafulhas?

Já havia a ideia de que os brasileiros eram um bocado trafulhas. Admitam que essa característica faz parte do estereotipo que os protugueses criaram dos brazucas. Eu diria que isso não corresponde à verdade, se algumas situações não demonstrassem essa trafulhice.
1) Comprei uns cereais da marca Pão de Açúcar (a marca do supermercado, como é aí a marca Pingo Doce ou Dia). A embalagem era do tamanho por exemplo de umas Estrelitas, mas os cereais eram tipo Nesquick. Eram os cereais mais baratos, coisa que não estranhei por serem da marca que eram. A caixa andou ali uns dias, mas, quando finalmente abri a caixa senti-me enganada. Ok, a caixa era enorme, mas o saquinho que vem dentro da caixa contendo os cereais era do tamanho dum saquinho de Cerelac ou Nestum. Óbvio que bastaram duas taças de cereais para comer tudo. Sim, uma trafulhice!
2) Telefonei para um restaurante chinês que faz entregas ao domicílio para pedir um combinado, que trazia crepe, refeiçao e refrigerante de lata. O papel dizia que isso tudo custava 13.50 reais. Encomendei mas tive que pagar 15.50 reais. Pensei que o papel com a informação do combinado estava desactualizado. Não! Quando abri os sacos de comida vi também um papel (concerteza actual) dos pratos de comida e o combinado que pedi custava mesmo 13.50 reais com o refrigerante incluido e tudinho. Sim, isto é uma trafulhice!
3) Antes de telefonar para o chinês tive que andar à procura de alguém que me desse um CPF (o BI deles) para conseguir fazer chamadas do telemóvel brasileiro. Tinha carregado o cartão com 11 reais. Depois desta chamada com a duração de uns 3 minutos fiquei com 3 reais. Sim, isto é uma trafulhice!

Desculpem não desenvolver mais a minha teoria, mas acontece que acabaram de me informar que vou agora prá Rocinha - uma favela em São Paulo. Também há a Rocinha do Rio, que é muito conhecida (tanto que cheguei a ver anúncios a visitas guiadas à Rocinha enquanto lá estive). Mas é a de São Paulo. Vou prá favela!! Devia ter vindo mais mal vestida.
Give you news later!!!

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Erro crasso

Saio da redacção por volta das 19 horas. Caminho em direcção ao "ponto de ônibus". Como sempre, esforço-me por prestar o mínimo de atenção àquilo que me rodeia. Um grupo de homens está reunido ao pé da garagem da Folha. Como sempre, contorno o grupo que me barra o caminho pelo mais longe possível. Regresso ao passeio. Uma miúda farrusca caminha no mesmo passei na direcção oposta à minha. Como sempre, desvio o olhar e, inconscientemente, dou passadas para mais próximo da berma do passeio, para não ter que passar tão perto da condição de pobreza. Como sempre, olho a pequena no intuito de confirmar se estou suficientemente afastada dela.
Nisto, o meu olhar cruza o dela.
- Posso te pedir um favor?, interrompe, num jeito de carência e inocência.
A surpresa não evita que o meu passo abrande nem que os meus olhos fixem os da garota com uns 15 anos, de roupas sujas e andrajosas, que ali espera, tímida e sorridente, alguma resposta.
- Sim., respondo-lhe seca, apreensiva e pouco segura do que fazer.
- Eu tou com fome!, retruca.
Pela pessoa que ali se me apresenta, eu logo percebi que uma esmola seria bem-vinda. Mas dito assim, desta forma, quebra-me o coração.
- Queres comer?, pergunto, ainda abatida.
- Eu queria feijoada!, arrisca a garota, que, logo depois de proferir estas palavras, olha o chão num misto de timidez e desilusão.
- Queres feijoada?
- Sim. Você podia vir comigo. Ali há uma padaria e eles devem ter feijoada lá. Você vem comigo?
Não é assim tão tarde. O que me custa levar a miúda esfomeada e dar-lhe de comer?
Dou meia volta e sigo lado a lado com a garota para lhe tirar a fome e fazer a minha boa acção do dia.
- Posso pedir outro favor?, atreve-se a miúda farrusca.
É preciso ter lata para me pedir ainda mais!! Mas não consigo dizer não.
- Sim, pedir podes...
- Mais ali à frente, que eu aqui tenho vergonha!
Estamos a passar à frente da Folha e, por algum motivo, ela sente-se constrangida. Só depois ela faz o pedido:
- Se pudesse... Eu também gostava de tomar banho. Ó pra mim, tou muito suja!...
Mau! Então mas eu sou quem?
- Sabes, eu moro longe daqui... não tenho como te dar banho!
- Mas não é isso!, explica, Há ali um lugar onde pode tomar banho!
- E quanto custa? Sabes?
- 7 reais...
- Eu não sei se tenho aqui dinheiro para tudo. Mas fazemos assim: eu vou contigo comer e depois vejo se tenho dinheiro para tu ires tomar banho.
- Qual é o seu nome?, dispara a garota.
- Helga. E tu, como te chamas?
- Eu sou a Lara, prazer!
A miúda fica pensativa, até que se manifesta:
- Ah! Então... Se não tiver dinheiro... Então eu preferia tomar banho, que assim aproveitava lavar estas roupas e tudo...
- E é muito longe?, pergunto-lhe, já com uma certa irritação na voz.
- Não... quer dizer, um pouquinho, só. Ia demorar só umas duas horas, mais ou menos, pra secar...
Já estou a ver que vou perder um tempão a ir lá com ela.
- Está. Então olha, eu vou dar-te o dinheiro para ires lá e vais lá tu. Mas promete que vais usar esse dinheiro para comer ou tomar banho!
Saco de uma nota de 10 reais e dou-lhe, para assim ajudar uma criança que mete dó. Dou meia volta outra vez e faço novamente o percurso até ao autocarro, enquanto penso no sucedido. Mas que raio me passou pela cabeça? Que estúpida!! Nunca lhe devia ter dado o dinheiro. Devia ter ido com ela e pronto. Como será que ela vai usar o meu precioso dinheiro? Ah! Mas ela era tão querida... Ou então sabe-a toda!... Nem chegou a prometer usar bem o dinheiro.
Adúvida assombra-me durante todo o percurso até acasa. E, cada vez mais, acho que a miúda inocente se aproveitou da pouco menos miúda com ar um pouco mais maduro (não muito). Cada vez mais acho que a inocente ali fui eu. Até porque - não sei como não me lembrei disso antes - havia ali lugares mais próximos para comer feijoada. Por que me levaria ela para tão longe?
Chegada a casa, conto à Neide aquilo que se passou, meramente para tentar perceber se este caso é normal. Ardi em fúria porque a Neide confirmou que era normal para quem quer comprar droga.
- É... Eu já morei perto ali do seu trabalho e ali há muito disso. Muito pedinte, muito menino na droga, cheirando cocaína... Eles já sabem como iludir as pessoa. Mas a gente fica sempre na dúvida, né, esses meninos metem pena...

sábado, 24 de novembro de 2007

Portugal (sábado)

Primeiro, vi a actriz Maria João Bastos na capa de uma revista, tipo sex symbol. Depois, falam-me do Scolari e da selecção portuguesa. Parece que hoje Portugal faz questão em estar na minha mente.
Ainda estava em casa, de manhã, sim, que hoje felizmente é sábado, e pensava distraidamente numa série de momentos engraçados da vida. Daquelas coisas que aconteceram e que eu nem nunca mais tinha pensado nelas, por terem sido momentos tão fugazes. Mas coisas como "o meu pópó no teu pipi (piiiipiii, piiipiii)" ou o remix "Avé Maria" do dia da morte de Sua Santidade o Papa João Paulo II animaram bastante o dia. Claro... Também me ocorreu a regueifa, o "Pão com Manteiga" à porta da padaria, entre os demais momentos, daqueles momentos que, embora não pareça, vão perdurar ainda muito tempo nesta cabecinha.
Agora estou na livraria Saraiva. Nunca tinha aqui entrado, apesar de ela estar espalhada por todo o Brasil. É uma megastore, a Fnac daqui da zona. E vi umas coisas baratinhas! CD's até bacanos a preços razoáveis. Lenine custa 16 reais (6 euritos). E achei engraçado. Percorri toda a loja e não vi nada de grande interesse. Mas na parte de reggae/pop-rock/rap (que, só por si, é uma área demasiado vasta, não?), encontrei coisas como Pitty, Lenine e Marcelo D2, mas também, vejam só como se insere aqui tão bem, Sepultura, Djavan, entre outros. Isto é, aqui há, realmente, divisões, mas, no fundo, é uma "salganhada" total. E, vejam só, descobri uma banda chamada Tia Nastácia. Claro que imaginei o meu tio Anastácio numa banda de reggae, aquela pancinha a dar a dar, o bigodaço, aos saltos loucos no palco. Esta imagem envergonhou-me. Na tabela dos mais vendidos, qual é meu espanto quando vejo Nelly Furtado.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Anedotas de portugueses (sinceramente não acho piada)

- A Caixa de fósforos
A Dona Conceição e o Senhô Joaquim são casado, mas a vida não tá faciu. Um djia, djicidem que, para conseguir melhorá suas vidas, a Dona Conceição tem qui viajar pró Brasiu. Aí, ela chega no Brásiu e encontra um montji de coisa que ela nunca tjinha visto. Meu Deus, era televisão, elévádô, um montji dji máquina isquesita... A Dona Conceição vai no supémercádo e também encontra muita novidadji. Quando ela liga pró Senhô Joaquim ela fala qui o Brásiu é muito légau, qui éxiste tanta coisa djiferentji... "Joaquim, eles têm até uma caixinha com uns pauzinhos lá dentro, que chamam fósforos, acho eu, e aquilo... se riscares um pauzinho na caixa faz fogo!!". "Como é isso, Conceição? Fogo?", respondji o Senhô Joaquim. "Sim, fogo, Joaquim! Não acreditas em mim? É, eu vou enviar aí pra Portugal uma caixinha dessas e vais ver como eu falo verdade! Espera aí que tu vais ver!"
Passado algum tempo, o Senhô Joaquim liga a Conceição, depois dji récébé a tal caixa de fósforos. "Olá Conceição! Olha, experimentei os pauzinhos e aquilo não está a funcionar!". "Como assim, não funciona? Eu expliquei tudo direitinho para ti. Tiras um dos pauzinhos e depois, com alguma força, sem partir o pau, raspas naquela parte vermelha...". "Sim, Conceição, mas eu não consigo, cá para mim isso não é verdade, não acredito nisso! Já experimentei várias vezes e nada!". "Joaquim, mas não é possível isso! És tu que estás a fazer mal! Como é que não funciona se eu experimentei todos os fósforos antes de enviá-los?"


- Alunos portugueses em sala de aula
Você sabe diferenciar um aluno português burro e um aluno português inteligente?
O aluno português burro copia em seu caderno tudo o que aprofessora escreve no quadro e depois, quando a professora apaga o quadro, o aluno apaga tudo em seu caderno.
Já o aluno português inteligente não copia nada que aprofessora escreve no quadro pois já sabe que ela vai apagar tudo quando acabar a aula.


- Seguro de vida
O gerente da famosa seguradora fica indignado ao receber o primeiro contrato de venda do seu mais recente funcionário (um português): - Pô, Manoel! Como aceitou fazer seguro de vida para um homem de 96 anos de idade?E o Manoel, com toda a tranqüilidade:- Não se preocupe, chefe! Antes de fechar o negócio eu consultei as estatísticas e constatei que morre pouquíssima gente com essa idade!

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Falta um mes!

Oi gente! Ando a descurar as novidades por aqui, é verdade, mas não tenho tido tempo nem paciência. Agora que o sol chegou sempre fico com mais energia. Descobri que a rua onde moro é mesmo fashion. Encontrei por lá lojas de variadas marcas: a Guess, a Diesel, a Eastpack, a Miss Sixty, a Reebok, a Adidas, a Nike, entre outras, e um monte de lojas alternativas - entre as quais a galeria Melissa, uma sapataria bem gira que a minha irmã me andava há que tempos a mandar procurar.
Parece-me que os brazucas gostam muito de lojas de desporto. Sobretudo daqueles ténizinhos todos brancos, normalmente horrorosos. E toda a gente usa esses ténis durante o fim de semana. E o fato de treino, como constatou a Marina. E com cores báriazzz. São todos muito simpáticos, mas muito diferentes de qualquer portugues ou mesmo europeu.
No Rio conheci muitas pessoas. Um argentino que mora no Rio há 5 anos compartilhou a minha opinião de que os brasileiros não são felizes - apenas tentam se-lo (desculpem, este teclado é diferente e ainda não encontrei os acentos circunflexos), ou demonstrar que o são para transmitirem boas energias. Além disso, uma opinião desse argentino ficou-me na memória: ''O Brasil é o único país do mundo em que a mulher é vista como carne. E as mulheres gostam de ser assim tratadas.'' Eu nunca tinha pensado nisso, mas acho que posso concordar. Nunca vi gente que se preocupasse tanto com a aparencia como as mulheres brasileiras (mesmo que o resultado final nem sempre seja o melhor). E nunca vi povo que se preocupasse tanto com os homens ou as mulheres bonitas que se encontram no mesmo espaço. Dá-me a sensação de que eles frequentam determinado lugar pela quantidade de pessoas bonitas que estão lá. Apenas. Não olham às outras coisas. Talvez à música. Nunca à beleza do local em si. Nem ao conforto. O importante são as caras larocas que por ali se passeiam. Apenas. Mas eu acho piada aos brasileiros precisamente por estas diferenças culturais. That's it!
Entretanto, estou a ver se consigo fazer uns trabalhitos tipo freelancer para ganhar uns trocos. A minha cabeça já está cheia de ideias. Só preciso de luz verde e de encontrar energia no mais ínfimo do meu ser para começar. Para depois chegar a Portugal e poder, finalmente, deitar-me naquele sofá enroladinha num cobertor e com a fogueira bem acesa enquanto vejo os programas de TV mais estúpidos. Ir ao Central beber aquele cafézinho enquanto leio o JN para depois jogar umas cartas com pessoas e conversar até não ter mais assunto (se bem que acho que nunca fico sem assunto :D).
Falta um mes!

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Cansada, mas ainda me faltava

De volta a São Paulo. Cansada. Cansada demais para exercitar o corpo ou a mente. Cansada demais para ter coragem de acordar todos os dias de manhã para sair de casa, esperar o autocarro, apanhar o autocarro apinhado, sem nenhum lugar suficientemente livre para me agarrar, evitar cair com os solavancos e ondulações destes motoristas que conduzem doidos, fazem travagens bruscas, não se desviam dos buracos da estrada e, muito menos, andam devagar. Cansada demais para entrar na Folha, ser sempre simpática, sorrir sempre e ver sempre pessoas novas que nunca sei se já me foram apresentadas ou não. Cansada demais para parecer calma, quando tudo o que eu queria neste momento era estar deitada na caminha, bem enroladinha nos cobertores, com um aquecedor ou uma lareira que me trouxessem mais calor. Ah, em Viseu, de pijama, deitada no sofazinho a ver TV, a comer castanhas assadas com a minha mãe, com a fogueira de Novembro a irradiar-me a alma. Cansada demais para falar com pessoas que não me são nada, que não percebem metade daquilo que eu digo, e continuar a achar piada a essas diferenças vocabulares que já me irritam.
O Rio foi muito bom! Queria ter ficado mais tempo. Ainda me faltava ir caminhar à beira-mar de Copacabana até Ipanema. Ainda me faltava ir sair para a Lapa. Ainda me faltava ir assistir a um espectáculo da escola de samba. Ainda me faltava fazer umas comprinhas por lá. Ainda me faltava um mergulhinho naquele mar, nem que fosse apenas um. Não pude fazer nada disso. Eu sei que é um tema recorrente, a temperatura, a chuva, etc. Mas tenho que voltar a manifestar-me, a demonstrar toda a revolta abrigada dentro de mim. Saí de São Paulo, estava frescote, cheguei ao Rio, chovia torrencialmente, e chovia, todos os dias, até que, no domingo, ontem, quando me vim embora, ficou bom tempo, ideal para a praia com calor. Claro que isso só da parte da tarde, quando eu estava a chegar de uma subida ao Cristo Redentor, com uma panorâmica nublada. Sim, o céu ficou muito azul quando fui apanhar o autocarro de volta para um São Paulo onde esteve sol e calor, cerca de 31 graus durante todo o fim de semana. Cheguei de noite, não vi esse sol, mas o taxista contou-me. Hoje acordei, sem forças, logo pela manhã, para vir trabalhar. E, adivinhem? Chovia torrencialmente!

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Depois de... Tou viajando

"Tou viajando". No sentido literal e no sentido figurativo. Esta terra é muito "fora", as pessoas são "fora", tudo o que tem acontecido é "fora".
Não posso contar tudo aqui porque há quem se preocupe comigo (ainda há...), gente que poderia ficar preocupada. Mas posso assegurar que vivi a aventura mais surreal da minha vida no Rio. A bem dizer, nada ainda me pareceu totalmente real. Ainda estou em choque. Depois de partir de São Paulo sem nada definido em concreto; depois de uma viagem num autocarro espectacular até cá, que, em vez de cadeiras, tinha autênticas poltronas, almofadas, mantinhas e um saquinho com comida e bebida para cada um dos viajantes; depois de parar durante 30 minutos sabe Deus onde era; depois de chegar ao Rio e ter que procurar um transporte até ao hostel(com a duração de 45 minutos) num autocarro também muito bom; depois de sair na paragem mais próxima e andar, de malas e bagagens, à procura do tal hostel, sob chuva bem pesadona e chegar totalmente ensopada (já para não falar da arquitectura, digamos, diferente e irreverente do hostel); depois de (esta foi grave e tem muitos pormenores que só com tempo contarei) aventuras que envolveram um casal alucinado, místico e, no final da noite, bêbedo, em que a mulher se revelou bissexual, chorava, ria, bebia, e o homem acreditava piamente que as cartas já lhe tinham avisado que eu ia aparecer e que nós nos conhecemos noutra vida - atenção que eu era espanhola; depois de ficar até às tantas da manhã em conversas imperceptíveis com um francês e um colombiano, numa linguagem um tudo nada aproximada ao português; depois de apanhar um transporte muito fora, que era uma carrinha de 12 lugares branca (chamada van), em que o motorista conduzia como um doido, por entre curvas e contracurvas de precipícios, a música ia bem alta e havia um moço responsável por gritar da janela qualquer coisa que não percebi, terminada em "é aí, ó!", que suponho que fossem as paragens que a "van" fazia; depois de ver uma favela gigante - nunca imaginei que uma favela pudesse ser tão grande - quando estava à procura de um taxi e tinha, atrás de mim, uma montanha enorme por onde subiam os casebres (será que posso chamar casebres?) até perder de vista, mas, simultaneamente, por incrível que possa parecer, davam uma imagem belíssima, digna de foto que a minha máquina se recusou a tirar porque, vim depois a perceber, a bateria estava ao contrário; depois de ir visitar a Casa das Canoas, do Niemeyer, e não haver transporte até lá e eu ter então que "pegar" um taxi e subir a colina, tocar à campainha, ser atendida por pessoas estranhas, ter que preencher um termo de responsabilidade sobre as fotografias para mero uso privado, e pagar 5 reais para ir ao andar de baixo, que, afinal de contas, se resumia a três escritórios, e não poder ver o jardim a preceito porque, afinal de contas, também no Rio se abate uma chuva torrencial. Depois de tudo isto em menos de 24 horas, aqui estou eu a esrever um post e a reflectir sobre o assunto.
Não sei se é só comigo, ou se toda a gente que vem ao Rio reconhece esta estranheza que eu só acreditaria ser possível num outro mundo que não o nosso. Há mais favelas do que locais ditos normais. As pessoas são tão hospitaleiras que mais facilmente demonstram insanidade mental. Não sei quem disse que havia aqui sol, mas não me parece veradade, uma vez que nem um raiozinho eu vi. Queria subir ao Cristo Redentor, entre outras coisas que requerem céu limpo. Está difícil. E haviam de ver o meu quarto. Ou melhor, não é o quarto, mas sim o percurso até ao quarto. Nada como a nossa casinha, não é?

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

De partida

Hey! Não tenho escrito, que isto as coisas andam mais agitadas.
Estou neste momento de partida para o Rio. Parto dentro de 10 minutos, por isso não vou escrever muito mais, que tenho que ir andando para pegar o ônibus :D
Não sei quando vou ter net de novo, mas sinceramente agora só tenho em mente o Rio. Lá deve estar bom tempo pelo menos, e sempre é o puro "Bráássiiiiuuu".
Gosto em ouvir-vos!

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Nova editoria

Deixem que vos diga que a nova secção onde estou a "trabalhar" vai ser, sem dúvida, bastante mais útil em termos de aprendizagem e bastante mais interessante do que a anterior. E as pessoas são mais simpáticas. E estão a fazer os possíveis para que eu aprenda alguma coisa e, simultaneamente, me divirta e conheça coisas novas.
Já conheci pessoas bastante importantes, jornalistas/escritores, de imprensa, rádio, TV... Isto só ao acompanhar um jornalista ontem num caso de polícia. Hoje não sei o que vou fazer, mas amanhã vou para o litoral do estado de São Paulo (praia iuppiiii, a 2 horas daqui) para acompanhar um processo de desfavelização. Vou entrar nas favelas, agressivo. Mas as favelas daqui ñão são como as do Rio. Quando quiser, posso propor coisas para fazer. Posso acompanhar o jornalista que eu quiser... posso fazer textos, reportagens. Inclusivamente, posso fazer uma noticia sobre aquilo que eu for acompanhar, para ver se fica muito diferente da do jornalista mesmo... "eu faço o que eu quero", como a frase já célebre da Carina.
Parece-me bem. E, como faço o que eu quero, talvez vá ao Rio este fim de semana. Não sei é se tenho dinheiro!!

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Que vergonha!

Mas que otário é que se lembrou de fazer um filmezinho com as opiniões de Nel Monteiro, essa vergonha da própria música pimba, sobre a arquitectura em Portugal e a pobreza e miséria do nosso país, dizendo coisas como "Centro Cultural de Belém, um exagero, Casa da Música, um exagero..." e a mostrar notícias sobre os problemas que advieram de infraestruturas como a Expo 98, os estádios de futebol para o Euro 2004, a Casa da Música e o CCB, problemas reportados tendo como música de fundo "Puta Vida Merda Cagalhões" e os seus "s"s de Viseu, bem assobiadinhos, uma música tão intervencionista quanto estúpida e com a letra mais fanhosinha que deve haver na nossa terra, com uma cambada de asneiras, pelas quais o Nel Monteiro, o próprio, pede desculpa, na própria música, tudo isto no vídeo que apresenta e representa Portugal numa sala muito malcheirosa da Bienal de Arquitectura de São Paulo?Para já, tratando-se de uma Bienal, porquê falar de infraestruturas feitas há 10 anos? Depois, porquê escolher o Nel Monteiro como rosto de Portugal? E ainda, porquê falar da nossa pequenez quando é suposto sobrevalorizar-se o bom da arquitectura portugues?Quando cheguei à representação de Portugal, tudo me pareceu, logo à partida, muito estranho. Imagens das obras de arquitectura eram acompanhadas com um televisor que mostrava a participação portuguesa no Festival da Eurovisão, que faziam ecoar, por exemplo´, "Uma da manhã hey!" das Doce, que ali se afiguravam em coreografias ridículas e tristes figurinos que mereciam ser escondidos de qualquer cidadão. Mas, vá, mesnos mau, apesar de ser uma Bienal e não uma história de Portugal. Representados estavam, entre outros, Siza Vieira (ou Álvaro Siza), o terrível Taveira, e o Távora. Obras como uma universidade do Barreiro e coisas até com algum interesse das quais eu nunca tinha ouvido falar. Por fim, decidi ir à salinha escura. A primeira imagem que vi foi do novo estádio do Benfica, o que me agradou, e até me sentei. Logo a seguir apareceu aquela coisa horrorosa que é a sede do Sporting e apercebi-me imediatamente que as coisas não iam correr bem. As pessoas entravam e saíam. Ninguém aguentava um cheiro esquisitivo que ali estava e, muito menos, ouvir aquela música fura-tímpanos do Nel Monteiro, muito menos as suas opiniões. Em vez de mostrarem a complexidade das obras, aparecia apenas uma fotografia na qual os olhos sentidos dessa personagem da música portuguesa eram projectados. Tive vergonha de ser portuguesa. Cheguei mesmo, tal como qualquer um dos que tentou assistir ao filme, a abandonar a sala. Mas a curiosidade matava-me, por isso tive que regressar e assistir a tudo até ao fim, inclusivé ouvir os comentários de escárnio daqueles que por ali passavam.Depois ainda chegou o pior, que foi ver as representações bem interessantes de outros países e ali me sentir pequeniiiina, pequeniina, e muito constrangida. A Itália aliava moda a arquitectura, a França tinha uns pc's minis que podiamos usar... E nós tinhamos o Nel Monteiro e as, na sua maioria, vergonhosas aparições no Festival da Canção??Só a minha cidade me fez feliz. Qual é o meu espanto quando, na parte em que um arquitecto espanhol estava representado e apareciam umas 6 obras dele, estava o Fórum de Viseu, ali apelidado de Centro Cívico de Viseu? Não que o Fórum esteja assim tão bem conseguido, mas ali até parecia uma coisa muito à frente...De qualquer forma, vou averiguar o porquê daquele vídeo do Nel Monteiro. Caso para dizer "Puta Vida Merda Cagalhões".

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Nada de novo neste panorama

Para ser sincera, a minha vida anda a tornar-se tão monótona, que nem sei o que vos diga. Amanhã vou telefonar aos meus queridos tios fortões a ver se isto ganha algum ânimo. Senão isto nem tem graça!
Bem, de novo há a padaria que, de repente, começou a fazer parte da minha vida. É mesmo aqui à frente do jornal. E o dono, como o qualquer dono de padarias do Brasil, é português. Bom, aquilo a que eles chamam padaria, chamemos-lhe nós pastelaria. Eu nunca tinha reparado nela. Parecia-me um mini-mercado. É... À entrada vende-se pão, carne, tabaco, chocolates, pastilhas elásticas, bebidas... Só depois de entrar e dar alguns passos é que se vêem bolinhos e as mesinhas para nos sentarmos. Não me parecia nunca uma pastelaria! Mais facilmente diria que era um talho.
O senhor é de Coimbra e ficou muito contente por saber que eu também era portuguesa e que estava a trabalhar aqui tão perto da padaria. E tenho que admitir que ainda aqui não tinha comido um tão delicioso croissant misto, ou, como aqui chamam, um "presunto e queijo" - expressão que eu não entendo, primeiro porque aquilo não é presunto - é fiambre; depois porque há tantas coisas diferentes que levam "presunto e queijo", que não percebo como podem generalizar; um croissant misto é muito diferente de uma sandes mista. Eles não entendem bem estas diferenças. Ainda ontem se discutia lá na residência o que era bolacha e o que era biscoito. E, lol, concluiram que biscoito era recheado e a bolacha não... E outros dois na rua, que discutiam a diferença entre "pobrema" e "poblema". Concluiram que "poblema" era de saúde e "pobrema" era o que tinha a ver com as outras coisas do dia a dia. A ignorância para mim é triste, mas estas pessoas riem-se disso.
E hoje é, finalmente, o meu último dia na secção mundo. Talvez venha a ter saudades dos berros de fera da editora e das discussões que ela promove. Mas, por agora, sinto-me muito feliz por mudar. Segunda-feira estreio-me na Ciência, com três outros jornalistas (sim é uma editoria muito, muito pequena). E já me avisaram "boa sorte para aturares os nerds". Há-de correr melhor do que aqui, certamente.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Primeiro contacto com a classe alta... e culta... e intelectual

Intelectuais, pseudo-intelectuais, classe alta do Brasil. No Teatro de São Pedro reunia-se uma multidão que assistia ao uma ópera interpretada por jovens melhores alunos de várias universidades. Natali reuniu aquilo a que chama "a turma da ópera" ao intervalo. Apresentou-me os professores dos alunos, os directores das escolas e dos teatros, veteranos da Folha de São Paulo. E a conversa estava "animada" com piadas intelectuais e observações sobre a prestação dos artistas.
A ópera era cómica, regada de bom humor, mas, pelo que ouvi, eles não eram muito bons. Se bem que não imagino nenhuma escola portuguesa que consiga obter tão elevado nível de actuação, quer ao nível do canto, como dos instrumentos, como da cenografia, como da representação, como das vestimentas. Tudo feito por alunos. Uma grande equipa. E intelectuais ricos a assistir.
As conversas com Natali não tinham as características de uma conversa normal. Eu ficava boqueaberta a ouvi-lo falar. Ele fala das coisas com todos os pormenores - datas, percentagens, estudos, tudo o que rodeia o assunto - , encavalitando então os temas de conversa uns nos outros. Tenho a certeza que ele descobre erros nas enciclopédias.
Todos extremamente bem vestidos, com classe e com roupas de marcas caras. Eu, coitadinha, ida directa do trabalho, na zona em que nem uma bandolete se deve usar, quanto mais um fio, uma pulseira, um brinco ou um relógio, ou, ainda pior, roupas de marca e de categoria. Bom, há quem use essas coisas para vir trabalhar, mas eles têm carro e estacionamento aqui à porta. Eu sou pobre, apanho a carreira para casa.
Os jornalistas daqui têm melhores condições que os portugueses. Aliás, este joranl começou a ter dívidas uma altura por causa da qualidade de vida dos seus trabalhadores. O jornal dava carros, dava um cartão de crédito a todos os jornalistas, que tinham também direito a um jantar ou almoço num restaurante de luxo com toda a família uma vez por semana. O que acontecia é que muitos jornalistas, se não tivessem dinheiro para a mais fútil coisa que fosse, usavam o cartão de crédito da Folha. Assim vale a pena, não é? Agora consta que lhes foram retiradas algumas dessas vantagens. Já não vão ao restaurante de luxo à pala do jornal, e só os mais velhos e quem tem cargos mais altos tem direito a carros novos. No entanto, há muita facilidade para viajar, de qualquer forma. Qualquer um dos jornalistas da Folha, se se lembrar agora de fazer um curso no outro ponto do mundo, pode fazê-lo. Basta, para isso, que façam um requerimento e expliquem de que forma esse curso pode ajudar na profissão. E a Folha paga a viagem e o curso (não sei se também a alimentação). Claro que assim os jornalistas estão motivados... claro que assim se consegue construir um grande jornal.
Algum voluntário para criar um jornal português assim?? E para me dar empreguito quando eu chegar, não? Um qualquer emprego...

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Planos para um país tropical

"I'm singing in the rain... I'm siiiinging in the raain...". Ou melhor "I'm running under a big storm... I'm ruunniing under a big storrrm". Venho para um país tropical a pensar que o clima é uma maravilha. Nunca se sabe se no segundo seguinte vai chover, fazer muito calor, parar de chover, fazer frio... Gostava que as coisas aqui me dessem mais estabilidade!
Entretanto, com a chuva, nunca se sabe bem o que fazer. Ir à maluca para a rua? Ficar em casa? Bom, ontem fui visitar o museu da Língua Portuguesa. Um museu parece-me a melhor solução para me abrigar. Bem giro, o museu da LP, por acaso... Futurista! Interactivo! Dinâmico! Mas não pude disfrutar bem de tudo. Tive o azar de ir ao mesmo tempo do que umas cinco escolas. Só criançada a correr e a gritar. Nem pude jogar as palavras cruzadas futuristas porque as mesas estavam cheias...
Por aqui, já passei muitas fases de "ainda falta tanto tempo para ir embora". Mas, recentemente, recebi duas propostas para ir passar o Natal em Minas Gerais ou no Pará. E aí apercebo-me que, afinal, a minha estadia é bem curtinha. Já nem vou poder fazer essas coisas. Nem vou poder visitar quase nada, agora que "trabalho". Sem dúvida, e já pensei bastante nisso, um dia mais tarde tenho que voltar ao Brasil e aos países da América Latina. O nordeste do Brasil é, segundo consta, a zona mais bonita. Mas eu não vou poder ir lá, visto que demoro umas 20horas de São Paulo até lá. Por isso, vou-me ficar por São Paulo (que não é assim tããããooo bonito de morrer), Rio de Janeiro e, eventualmente, Belo Horizonte. E alguma praita aqui perto, se apanhar um sia de sol.


Prometo para breve um punhado de anedotas sobre portugueses, tão populares aqui no Brasil. Vou iniciar o processo de recolha. Conforme nós gozamos com o Tibúrcio, eles gozam com o Joaquim e o Manoel. Diz que são os nomes mais vulgares em Portugal. Já lhes expliquei que era mais o José, o António...

terça-feira, 6 de novembro de 2007

São Paulo é um lugar estranho

Uma mulher, decerto possuída, corre na rua e grita coisas incompreensíveis, como quem lança uma espécie de um mau olhado a alguém, nas suas vestes andrajosas e uns lenços que lhe cobrem parcialmente a cabeça e o corpo.
Um homem sentado no metro faz caretas estranhas, de meter medo. É parecido com o Incrível Hulk, mas não é verde. E as carteas não ajudam!
Num "concerto ao vivo", uma mulher esganiça a sua voz, movimenta-se como um vocalista de uma banda rock e agarra um microfone imaginário com as duas mãos bem entrelaçadas perto da boca. A acompanhar, um "guitarrista" desafina a viola, limitando-se a fazer tremer uma corda ou outra, sem se esforçar por fazer qualquer acorde ou nenhuma nota específica.
Um moço caminha na rua. As passadas são dadas ao mesmo ritmo que a cabeça abana. Os headphones denunciam de onde vem a música. O moço canta e berra, emite uns grunhidos metaleiros, como se estivesse sozinho em casa.
Um miúdo que aparenta 10 anos deambula a altas horas pela rua. A cara está toda farrusca. As roupas também. Com agressividade, pede-me um cigarro. Digo que não tenho, mas ele insiste. Não queria mostrar-lhe a minha mala porque, precisamente nesse dia, tinha comprado a máquina fotográfica e todo o material acessório. Estava tudo dentro de uma mala que eu não queria mostrar, muito menos porque todo o dinheiro que tinha para o resto da semana estava comigo. Mas felizemente chegou um senhor que lhe deu um cigarro.
Aqui há coisas estranhas. Tudo isto vi-o apenas no caminho para casa. Um caminho atribulado porque saí mais tarde do trabalho e fiquei à espera do autocarro durante uma hora, até me aperceber que o meu autocarro já não devia passar àquela hora. Um caminho em que tive que ir a pé até ao metro, trocar de linha três vezes e ainda ir a pé até casa (demorei 1h30m).
É isto que se pode ver à noite em sítios estranhos de um estranho São Paulo. Além de se sentir um medo constante e desconfiança perante todas as pessoas que passam na rua: "será que me vão assaltar?".
Mas nem tudo é assim. Confesso que estou nervosa porque amanhã vou assistir a um concerto de música clássica com o Natali. Ele é o repórter mais acarinhado da Folha. Antes de o conhecer, já me tinham falado dele. Quando é apresentado a alguém, é apresentado como "o melhor repórter do Brasil". Um senhor grande. Óptima pessoa. Tão culto... mais ainda do que os outros. Impõe respeito. E não tinha ninguém para ir com ele ao concerto, eu sou a única que pode sair mais cedo. Opa!

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Cidade imparável

A cidade de São Paulo não pára, faça chuva ou faça sol. Hoje descobri que há mais um festival de cinema- desta vez de cinema francês, que não é muito o meu género-, há mais um festival de música - este mais barato que o anterior, com nomes como Cansei de Ser Sexy, Lilly Allen, Kasabian... - e descobri ainda um montão de feirinhas. Vão haver uns domingos com feira de troca de livros (acho que vou lá trocar os que já acabei de ler cá) e há feirinhas de artesanato que eu não imaginava que existiam. Já sem falar que descobri que há uma data de parques botanicos e jardins gigantes, que podem ser interessantes. Ah! E, claro, um dia que arranje companhia talvez vá ao Hopi Hari, que eles consideram uma "mini disneyland". Vamos lá ver o que será aquilo - pelo menos, sei que tem montanhas russas bem assustadooooras.
Em dois dias, a temperatura desceu quase 20°. Ou seja, estou com amigdalite e uns outros sintomas maus. Ora, passei o fim de semana em casa na caminha, até porque chovia intensamente.
Já ando com saudades de uma noite em grande. Coisa que já há muito não tenho, nem em Portugal, e aqui muito menos, que é perigoso. Às vezes, uma pessoa ou outra aqui do jornal dizem-me que "temos que combinar um dia aí à noite para tomar uma cerveja". Primeiro, pergunto, como sabem eles que eu gosto de sair à noite? Segundo, porquê uma cerveja se estamos no país do chopinho, da água de coco, e da caipirinha? Mas eu lá digo, sim, sim, temos que combinar. O que é certo é que nunca mais ninguém combinou.
Na sexta feira fui a um bar perto de casa (caríssimo!). Íamos todos numa de experimentar a caipirinha original. E pedimos. "Cachaça, vodka, rum?...", perguntava o empregado (e ainda outras bebidas que eu nem percebi, tal foi o espanto). Bem , a original é com cachaça. "Cachaça" foi a resposta. "Cachaça mineira, não sei de onde ou não sei de onde?". Sei lá, para mim é tudo cachaça, "A mineira é a melhor", dizia o moço. Pronto venha essa. "E que fruta quer? Lima, morango, frustas vermelhas, ..." e cantarolou um sem fim de frutas. Bom, eu gosto de frutas vermelhas, e acho que nunca vi disso em Portugal. Venha uma de frutas vermelhas. Horrorosa por sinal! Atrevo-me a dizer nojenta! Mas provei a de limão, a normal, e realmente era melhor.
Epa, mas tanta "tenetice", como diria a minha mãe, porquê? Não imaginam a quantidade de opções que existem para fazer uma caipirinha... Ele ainda perguntou mais coisas: "grande ou pequena? açucar amarelo?", sei lá, montes de coisas, já nem podia ver o senhor na minha frente...
É... mas parece que aqui o normal é sair á noite e ir "beber uma cerveja". Qual tomar café?? Isso é para meninos, pá... tsss, café... ha!

domingo, 4 de novembro de 2007

A Pousada

Como já devem ter reparado, se leram os meus posts, moro num lugar um pouco estranho. Sim, havia um pássaro lá dentro, a porta não destrancou e a cama caiu a meio da noite, tal como já vos contei. A Dona Alice tenta sempre resolver os problemas. Mas a porta já teve mais vezes o mesmo problema. É um jeito que tem que se dar que eu não sei dar.
As pessoas chegam e vão, e eu vejo-as sempre a chegar e a ir. E eu fico sempre. Incrível é que nem a Dona Alice nem a Neide (que entra mais tarde e fica até mais tarde) sabem uma palavra de inglês ou espanhol. Aqui no Brasil, não há muita gente que fale inglês, embora se safem bem melhor que eu em espanhol (também não é muito difícil safarem-se melhor que eu). Então eu já desempenhei por várias vezes o papel de tradutora oficial. Um russo que chegou de noite e a Neide andava desaparecida. Um moço da Malásia (embora o pai seja do Sri Lanka e a mãe seja chinesa, e embora ele tenha morado quase toda a sua vida na França, algum tempo na Holanda e agora ande há uns meses a dar a volta ao mundo - fala pelo menos 6 línguas: Malaio, Inglês, Francês, Holandês, Chinês e Espanhol - isso é que é vida!!) que chegou no feriado e não havia ninguém na recepção porque era feriado e eu era a única que estava na residência para lhe abrir a porta e também a única que falava inglês durante todo o fim de semana em que ele aqui esteve, um moço polaco... Já pedi que me fizessem um descontinho :D

As personagens da residência:

A Neide:
Trabalha há pouco tempo nesta pousada. Eu fui mesmo a primeira pessoa que ela recebeu. É novinha, simpática e tem poucos estudos. Um pouco tímida e ainda inexperiente nestas lides, e muito boa pessoa. E pede-me sempre para a ajudar com as línguas, quando eu ando por ali (aliás, a seguir vou já para casa, que ela perguntou, se eu estivesse lá, que ia chegar um gringo - um gringo aqui é tudo o que tem inglês como língua materna haha).

A Alice:
Esta senhora é um amor. Fala muito alto, o que me faz acordar todos os dias de manhã quando ela chega à residência e dá aqueles sorrisos que eu acho imensa piada, que parece um miúdo que está a fazer alguma traquinice nas aulas e manda aqueles risos à socapa da professora, típico de quem está a fazer asneiras. A mulher é o máximo. Não sabe inglês, mas entende-se com os turistas. Ela é esperta. Eles dizem "bagage" e ela pergunta "bagagem?", e assim se vão entendendo. No outro dia perguntou-me como se escrevia oitocentos e quarente e três em algarismos. Tinha dúvida se era "800 e 43" ou se era "80043". Lá lhe expliquei que era "843". Coitadinha! E montes de vezes pergunta-me se quero almoçar com ela, mas eu já estou sempre de saída.

A Cláudia:
É a dona. Nunca a conheci pessoalmente. Mas toda a gente a conhece! Troquei e-mails com ela quando foi para reservar o quarto e já falei mesmo ao telefone com ela. Toda a gente diz que é porreira, mas eu não a conheço. A única pessoa que fala inglês.

A mãe da Cláudia:
Mas já conheci a mãe da Cláudia. Veio no dia em que era feriado e não havia ninguém para receber o malasiano. Estava extasiada por eu ser da Europa. "É... Portugal... Mas é um país rico, hein!?". Claro que me ri da constatação da senhora... Expliquei-lhe que estava enganada.


Bem, e como já parou de trovejar, já posso ir para casa :D

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Olhem para o chão!

E neste dia de finados... em Portugal, que aqui é só amanhã (ainda bem, que assim fico com fim de semana prolongado)... regresso para mais um post.
Venho aqui partilhar situações tristes, pá. É verdade! É um dia triste, portanto... só se pode falar de coisas tristes e deprimir e essas coisas, senão até parece mal e as pessoas falam... E é para que não digam que eu vos dou vontade de rir. :) Se algum dia vierem a São Paulo, tenho que alertar-vos para que não andem com a cabeça na lua. Não estejam constantemente a olhar os pormenores dos edifícios gigantones desta cidade. Lembrem-se de olhar para o chão. Mesmo. Custou-me a adaptar a isso, mas agora quase que sou um ser sem sentimentos, que já quase não se arrepia ao ver a quantidade de mendigos que dormem nas calçadas. E esses mendigos não têm grande preocupação em passar despercebidos, encostando-se a um cantinho confortável enrolados na mantinha. Aqui há calor, portanto eles estão bem esticados no meio do chão "batendo um ronquinho". Não vão vocês pisá-los, olhem para o chão.
No fundo, temos que ter sempre um olho no chão, outro no freguês em todo o lado. Por umas razões ou por outras. Sim, em Lisboa, por exemplo, temos que ter cuidado com os cócós porcos, feios e malcheirosos... C'est la vie! Aqui isso já não acontece, porque há imensos varredores do lixo que todos os dias limpam os passeios.
Mas é chocante esta história dos mendigos. Aqui na zona do jornal, então... podem ser um grande obstáculo às passadas firmes e livres na rua. Depois, há os caixotes do lixo. Todos os dias, quando saio do trabalho, passo por um mega caixote do lixo, onde há sempre alguém a rebuscar comida. Normalmente, eles estão aos pares. Um sentado no chão, com um saco do lixo aberto, já a comer os restos que encontra nesse saco, e outra pessoa de pé, fazendo os sacos saltitar, na ânsia de encontrar algum que pareça ter comida, para dar ao que está sentado no chão, que vê tudo mais detalhadamente. Até os mendigos são organizados, já viram?
E eu ali fico a observar aquilo - o único espaço onde decorre alguma acção enquanto espero o autocarro para voltar para casa. E, mesmo quando chego a casa, costumo ver isso. Também há um caixote na esquina da minha casa, alvo de algumas investidas mendigueiras.
E, claro, vêm pedir dinheiro. No primeiro dia em que saí tarde do trabalho (portanto, o segundo dia de trabalho, e, a partir daí, foi sempre, todos os dias, a sair tarde), vieram 3 pessoas diferentes pedir esmola. Eu, à primeira pedinte, que dizia "por favor, já todos me conhecem aqui, não vou fazer mal", saquei das moedas todas que tinha e dei. Mas ela queria dois reais à força, e insistia. Dois reais já é uma nota. A medo, lá abri o espaço das notas (tinha muitas lá, que isto de pagar por cada levantamento que faço, obriga-me a levantar mais dinheiro de uma vez do que numa situação normal). Como não pude remecher bem esse espaço, não fosse ela perceber que eu estava ali cheia de guita, tirei uma nota qualquer. Saiu uma de 5 reais e lá lhe dei (sim, acabei por dar aí uns 2euros, no total). E foi-se embora. Ainda encontrei mais dois mendigos que me vieram pedir uns trocos. E, aí distribuí mais um tanto. Sabia lá se eles me faziam mal, se eu não desse dinheiro?
Mas agora já percebi. Nunca mais tive que distribuir prendinhas a ninguém. O meu passo é rápido, já não olho em redor. Foco um ponto qualquer na minha frente, determinada, e finjo nem me aperceber que as pessoas vêm ter comigo. Senão ia à falência, não? (Ai, que egoísta... sim, eu tenho pena de ser assim, mas primeiro a minha sobrevivência, depois a dos outros... se não tiver dinheiro para mim, como terei para os outros? e acho que nós, da sociedade (pós)moderna, somos todos iguais nesse aspecto... mas, vá, condenem-me!!!).
Pensava que isto acontecia em todo o Brasil. Ao que parece, não. O Wherle, um brasileiro do nordeste lá da residência, confessou estar alarmado perante o número exorbitante de mendicidade. Bom, mas ele não é muito de fiar, porque também disse que achava que as pessoas aqui andavam muito rápido! Haha! Rápido? As pessoas estão todas paradas em escadas rolantes, na maior das calmas passeando no metro, em longas conversas, daquelas em que há pessoas que páram quando têm que falar e param consequentemente a circulação do trânsito, que também não está muito apressado. Eu disse-lhe para ir à Europa para ver o que era pessoas a correr... Ou ainda melhor, a uma cidade tipo Tóquio ou assim... não que eu já lá tenha ido, mas imagino... Se não me engano, a constatação dos mendigos foi a única em que concordamos, mas não interessa. Acreditem em mim, que é escandaloso!