sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Vou ter saudades disto

Ia eu pela rua abaixo, sempre a direito, sempre a direito, e já via há algum tempo, lá no fundo, uma senhora que passeava qualquer coisa... parecia um cão (pequeninoinoinoino). Passado um pouquinho, porque os meus passos eram mais apressados, alcancei a mulher. E, qual é o meu espanto... quando vejo que a mulher tava com um lencinho a limpar o rabinho do pequenino cãozinho! E ao pormenor! Aninhada, lá espreitava, não fosse algum bocadinho de... cócó... ficar por limpar. Em plena praça pública remexia aquela... nhanha...
Eu ri-me. E foi este momento tão belo que me abriu os olhos. Porque apercebi-me que é destes pequenos momentos que eu vou ter saudades. Cada segundo pode proporcionar surrealidades. Sair à rua é deparar com coisas inacreditáveis. Vou ter saudades da histeria característica de qualquer brasileiro, que teima em fazer dos berros o seu tom de voz normal, que teima em fazer muitos gestos e em usar uma espécie de linguagem física, por vezes agindo quase como aqules coelhinhos da Duracell, que duram e duram e duram. Vou ter saudades de ler em T-shirts, em plaquinhas dentros dos táxis ou em flyers que abundam por aí frases como "Deus nos ama", "Deus nos abençoe" ou "Deus está aqui". Vou ter saudades de não ter paz nem sossego, de estar no meu quarto barulhento onde ouço o telefone da recepção a tocar, a televisão a trabalhar sem ninguém a ver, as pessoas a gritar (ou será falar?) na rua, os autocarros chiadeiros a fazer travagens bruscas na paragem em frente à minha casa, os carros a passar de rajada e as motas, essas, que aqui não têm nenhuma lei que os impeça de quitá-las todas para fazer ainda mais barulho do que o normal e, acima de tudo, onde ouço, todos os dias de manhã, a Alice a chegar e dizer para alguém "Oi! Tudo bom?" e o telefone a tocar logo de seguida (é a Cláudia) e a Alice a atender e a dizer "Alô! Ooooiii", um "oi" meio grunhido que eu não conseguiria jamais imitar...
É destas pequenas coisas que eu vou ter saudades. Vou ter saudades daquele meu processo em que saio do autocarro e imediatamente procuro o crachá da Folha enquanto espero que o semáforo dos carros fique vermelho (porque aquela passadeira, entre outras, não tem semáforo para os peões e então temos que ver como está a cor para os veículos) e, de seguida, andar aquele pedaço de rua até à Folha agitando o crachá numa espécie de acrobacias, empenhá-lo orgulhosamente porque, afinal, "'trabalho' na Folha!".
Vou ter saudades daquelas noites mais frias em que fico demasiado tempo à espera do transporte para casa naquela rua escura e perigosa e fria, com os meus dentes a abanar, não sei se de frio, de medo ou de velhice. Vou ter saudades de ver toda a gente agitada no trabalho e eu aqui, quietinha, caladinha, na maior das calmas quando comparado com os outros. Vou ter saudades de ir ao cinema e, além de não haver pipocas doces, só encontrar filmes que, ou não tenho interesse em ver, ou já vi em Portugal, ou não são passados num horário a jeito.
Apesar das chatices, das saudades, do choque cultural... há coisas que vão ficar para sempre, das quais ainda me vou rir, pelas quais ainda vou chorar e que ficarão para sempre nesta cabecinha, a não ser que, de facto, se confirme que sofro de Alzheimer antecipado.

Um comentário:

Anônimo disse...

esse toquezinho final é q foi o riso! LOL