segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Erro crasso

Saio da redacção por volta das 19 horas. Caminho em direcção ao "ponto de ônibus". Como sempre, esforço-me por prestar o mínimo de atenção àquilo que me rodeia. Um grupo de homens está reunido ao pé da garagem da Folha. Como sempre, contorno o grupo que me barra o caminho pelo mais longe possível. Regresso ao passeio. Uma miúda farrusca caminha no mesmo passei na direcção oposta à minha. Como sempre, desvio o olhar e, inconscientemente, dou passadas para mais próximo da berma do passeio, para não ter que passar tão perto da condição de pobreza. Como sempre, olho a pequena no intuito de confirmar se estou suficientemente afastada dela.
Nisto, o meu olhar cruza o dela.
- Posso te pedir um favor?, interrompe, num jeito de carência e inocência.
A surpresa não evita que o meu passo abrande nem que os meus olhos fixem os da garota com uns 15 anos, de roupas sujas e andrajosas, que ali espera, tímida e sorridente, alguma resposta.
- Sim., respondo-lhe seca, apreensiva e pouco segura do que fazer.
- Eu tou com fome!, retruca.
Pela pessoa que ali se me apresenta, eu logo percebi que uma esmola seria bem-vinda. Mas dito assim, desta forma, quebra-me o coração.
- Queres comer?, pergunto, ainda abatida.
- Eu queria feijoada!, arrisca a garota, que, logo depois de proferir estas palavras, olha o chão num misto de timidez e desilusão.
- Queres feijoada?
- Sim. Você podia vir comigo. Ali há uma padaria e eles devem ter feijoada lá. Você vem comigo?
Não é assim tão tarde. O que me custa levar a miúda esfomeada e dar-lhe de comer?
Dou meia volta e sigo lado a lado com a garota para lhe tirar a fome e fazer a minha boa acção do dia.
- Posso pedir outro favor?, atreve-se a miúda farrusca.
É preciso ter lata para me pedir ainda mais!! Mas não consigo dizer não.
- Sim, pedir podes...
- Mais ali à frente, que eu aqui tenho vergonha!
Estamos a passar à frente da Folha e, por algum motivo, ela sente-se constrangida. Só depois ela faz o pedido:
- Se pudesse... Eu também gostava de tomar banho. Ó pra mim, tou muito suja!...
Mau! Então mas eu sou quem?
- Sabes, eu moro longe daqui... não tenho como te dar banho!
- Mas não é isso!, explica, Há ali um lugar onde pode tomar banho!
- E quanto custa? Sabes?
- 7 reais...
- Eu não sei se tenho aqui dinheiro para tudo. Mas fazemos assim: eu vou contigo comer e depois vejo se tenho dinheiro para tu ires tomar banho.
- Qual é o seu nome?, dispara a garota.
- Helga. E tu, como te chamas?
- Eu sou a Lara, prazer!
A miúda fica pensativa, até que se manifesta:
- Ah! Então... Se não tiver dinheiro... Então eu preferia tomar banho, que assim aproveitava lavar estas roupas e tudo...
- E é muito longe?, pergunto-lhe, já com uma certa irritação na voz.
- Não... quer dizer, um pouquinho, só. Ia demorar só umas duas horas, mais ou menos, pra secar...
Já estou a ver que vou perder um tempão a ir lá com ela.
- Está. Então olha, eu vou dar-te o dinheiro para ires lá e vais lá tu. Mas promete que vais usar esse dinheiro para comer ou tomar banho!
Saco de uma nota de 10 reais e dou-lhe, para assim ajudar uma criança que mete dó. Dou meia volta outra vez e faço novamente o percurso até ao autocarro, enquanto penso no sucedido. Mas que raio me passou pela cabeça? Que estúpida!! Nunca lhe devia ter dado o dinheiro. Devia ter ido com ela e pronto. Como será que ela vai usar o meu precioso dinheiro? Ah! Mas ela era tão querida... Ou então sabe-a toda!... Nem chegou a prometer usar bem o dinheiro.
Adúvida assombra-me durante todo o percurso até acasa. E, cada vez mais, acho que a miúda inocente se aproveitou da pouco menos miúda com ar um pouco mais maduro (não muito). Cada vez mais acho que a inocente ali fui eu. Até porque - não sei como não me lembrei disso antes - havia ali lugares mais próximos para comer feijoada. Por que me levaria ela para tão longe?
Chegada a casa, conto à Neide aquilo que se passou, meramente para tentar perceber se este caso é normal. Ardi em fúria porque a Neide confirmou que era normal para quem quer comprar droga.
- É... Eu já morei perto ali do seu trabalho e ali há muito disso. Muito pedinte, muito menino na droga, cheirando cocaína... Eles já sabem como iludir as pessoa. Mas a gente fica sempre na dúvida, né, esses meninos metem pena...

2 comentários:

Anônimo disse...

Deixa la Helga, acho que em casa de duvida estiveste bem e tomaste a atitude certa...tambem se formos a pensar que todo o mundo é burlão estamos feitos....

Anônimo disse...

oh... eu teria feito o mesmo. acho que te ia pesar mais na consciencia ter dito que não.
mas já me aconteceu uma coisa do género, com uma miudinha perto da faculdade. era muito pequena, com uns dez anos, toda mal vestida e suja. e pediu-me para lhe comprar alguma coisa para comer no café. eu fui com ela, claro. mas depois ela pediu para lhe comprar um chupa todo xpto e eu, apanhada de surpresa comprei. foi carissimo e depois senti-me totalmente manipulada. Mas pensei "vá, a miúda tb tem direito a um doce...".